Radialista com passagens pelas principais rádios adultas do Rio conta histórias de mais de 25 anos de carreira
POR GUILHERME ALVES
Dono de uma voz clássica e um timbre de voz privilegiado, típico dos grandes locutores, Flávio Carpes recebeu, em um estúdio em Copacabana, a reportagem do blog "Noticioso" e concedeu uma entrevista por mais de uma hora, onde contou sua trajetória de mais de 25 anos no meio radiofônico.
Não faltaram boas histórias, relatos das dificuldades iniciais da profissão e do período de consolidação da carreira até chegar ao patamar de um dos principais locutores do segmento de rádio adulto no Rio de Janeiro. O radialista ainda falou de sua paixão pela música e do programa semanal que faz para uma rádio da Costa Rica.
Na parte final do bate-papo, Flávio fez uma análise do surgimento de modelos alternativos, como web rádios e o rádio digital. Para os que tem interesse em seguir a carreira de locutor de rádio, ele ainda deu dicas de como trilhar um caminho de sucesso na profissão.
Guilherme Alves: Flávio, conte-nos como foi o seu início de carreira em rádio. Como surgiu esse interesse?
Flávio Carpes: Bom, eu comecei mais ou menos como a maior parte das pessoas: por acaso. Como não tinha curso de locução, a gente ia naquela de “ah, eu gosto de ler, gosto de música, tenho uma voz boa”.
GA: E você fez algum curso? Algum trabalho com fono antes de começar a carreira?
FC: Na época, não tinha curso de locução, praticamente nenhuma fonoaudióloga trabalhava com voz e locução. A dificuldade era não ter nenhuma “pista” de como funcionava a coisa. O começo foi na base da intuição e quando você faz na intuição, você começa a imitar os outros, o que às vezes não é o mais adequado. Depois, com o passar do tempo, você cria o seu estilo.
GA: E qual foi sua primeira emissora? De qual cidade era essa rádio?
FC: Eu sou daqui do Rio, mas fui morar em Florianópolis e lá, uma amiga comentou que um chefe dela era dono de rádio e tava precisando de locutores. Eu achei interessante a idéia, marquei um teste e o “cara” da rádio me aprovou. Foi uma experiência boa para eu começar. Foi a Rádio Musical FM, que tocava basicamente as grandes orquestras, tipo Franck Pourcel, Ray Conniff, Paul Mauriat, tocava alguma coisa de jazz, enfim... uma rádio bem clássica.
GA: Sempre teve o hábito de ouvir rádio? Teve influência de alguém?
FC: Sempre gostei. Acho que isso vem do meu DNA, meu pai trabalhou em rádio por muitos anos, junto com meu tio, irmão dele. O meu tio, inclusive, seguiu trabalhando em rádio, passou pelas principais rádios da região Sul do país. Ah, ganhei, quando criança, um rádio pequeno do meu pai e comecei a ouvir a Rádio Tamoio, depois Mundial 860, logo em seguida Rádio Cidade e por aí fui.
GA: Qual foi a primeira rádio que você trabalhou aqui no Rio de Janeiro?
FC: Eu voltei de Florianópolis em abril de 1985 e nos meses seguintes resolvi procurar emprego em rádio. Na época, não tinha internet, então peguei um catálogo telefônico e ligava pedindo para marcar testes. Fiz testes em algumas rádios, como a Imprensa FM (102,1) e a Tupi FM (96,5). A Tupi nem queria que eu fizesse teste, disseram que não tinha vaga, mas, uma semana depois, um locutor foi demitido e eu fui contratado.
GA: Aprendeu muito durante essa experiência? Alguém em especial te ajudou?
FC: Sim, a Tupi já era uma rádio “top”, uma das principais do segmento adulto e pertencia aos Diários Associados. A programação era mais ou menos parecida com a da rádio que trabalhei em Florianópolis, tocava as grandes orquestras, então a programação era algo “bem familiar“, eu já conhecia bastante coisa que tocava lá.
O curioso é que todos os locutores da rádio eram bem mais velhos, eu tinha 27 anos e o mais novo, depois de mim, tinha 40 anos.
Teve um cara que acabou se tornando um grande amigo, o Francisco de Paula, que trabalhou em grandes emissoras como Rádio Nacional, por exemplo. Ele estreou o som estéreo no Rio de Janeiro, pela Tupi FM.
Foi uma pessoa que me ensinou muita coisa, eu ficava muito tenso na hora de fazer os noticiários, travado, não respirava corretamente e ele me ajudava, dava dicas para eu ficar mais calmo, foi uma espécie de professor.
GA: Chegou a trabalhar com algum radialista que você ouvia na infância?
FC: Trabalhei, na Tupi FM, com um locutor que ouvia, quando criança, na Rádio Tamoio. Ele chamava-se Lindolfo Moreira, uma voz belíssima, jamais fez fonoaudióloga, tudo na base da intuição, dom mesmo. A voz dele tinha um brilho natural, não precisava de efeito, de nada.
GA: Depois da Tupi FM, você trabalhou na Globo FM. Chegar ao Sistema Globo de Rádio é como se fosse jogar na seleção brasileira?
FC: Em termos de estrutura e organização, é. Para falar a verdade, quando eu comecei na Globo FM, a rádio não era tão conhecida, porque era uma rádio muito elegante, que não se preocupava com Ibope, não tinha compromisso comercial nenhum. Eu aprendi bastante e fiquei muitos anos lá. Eu entrei em 1987, saí em 1990, fiquei cobrindo férias de outros locutores entre 1990 e 1993. Voltei no final de 1993 e fiquei direto até o final de 1999, quando saí em definitivo.
GA: E depois que saiu da Globo FM? Ficou muito tempo “fora do ar”?
FC: Fiquei pouco mais de um ano. Em 2001 fui contratado pela MPB FM, que na época pertencia ao Grupo O Dia e por sinal, foi a melhor casa em que eu trabalhei.
GA: Por que foi a melhor casa?
FC: Pelo fato de reconhecer o meu trabalho, me sentir valorizado e por ser tratado com carinho e consideração.
Além de ser bem remunerado, ganhar bem, é importante ter o seu trabalho reconhecido, ainda mais quando você veste a camisa da empresa, se dedica e faz um bom trabalho.
Se você me perguntar: mas reconhecimento em forma de quê?
Não é material, é subjetivo, reconhecimento no sentido profissional.
GA: Rolou uma identificação com a MPB FM? Você falou que ouvia as grandes orquestras, jazz, entre outros. E a música popular brasileira você acompanhava?
FC: Nos anos 60 e 70, época de ditadura militar, tocava-se muita música estrangeira nas rádios. E eu ouvia muita música brasileira, os meus amigos só ouviam música brasileira e nessa época uma geração tava começando a se consagrar, nomes como Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, MPB4, compositores como Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, João Bosco. Era um momento muito fértil da música brasileira.
GA: Na MPB FM, você teve a oportunidade de fazer o programa “Instrumental MPB”, sobre música instrumental. Como foi a experiência?
FC: Eu tive contato com a música instrumental, não só brasileira, no início dos anos 90. E nessa época artistas brasileiros tiveram maior destaque como o grupo Cama de Gato, músicos como Victor Biglione, Leo Gandelman, entre outros.
Em 2006 surgiu a oportunidade de fazer o “Instrumental MPB”. Fiz até 2008, ano em que saí da rádio. Era um programa semanal, onde eu fazia uma entrevista com algum músico ou grupo de música instrumental brasileira, onde o próprio músico (ou grupo) fazia a programação musical.
GA: E que balanço você faz dessa passagem pela MPB FM? Continuou fazendo algum trabalho em rádio?
FC: Foi um período que amadureci profissionalmente e pude me desenvolver bastante. Depois que saí da rádio, em 2008, passei a fazer um programa semanal de música brasileira para uma rádio da Costa Rica, chamada 95,5 Jazz. É um programa que eu produzo e apresento em português e que completou, em outubro, dois anos. Quem quiser, pode ouvir pela internet em: http://www.955jazz.com/.
GA: Você também tem uma web rádio dedicada à música brasileira? Conta um pouco desse projeto.
FC: É a Rádio Brasileiríssima, que eu montei em parceria com o João, que foi meu aluno no curso de locução em que eu dou aula. Ele é o responsável pela parte técnica e eu cuido da parte artística e da plástica da rádio.
O site (http://www.radiobrasileirissima.com.br/) tem acessos do mundo inteiro, pessoas que admiram a música brasileira, que é a melhor música do mundo.
GA: Na sua opinião, o modelo de web rádio veio para ficar? É uma tendência?
FC: Acho que é uma realidade. Não só a web rádio, mas a web TV. Como o músico passou a ser independente da gravadora para gravar um cd, o profissional de comunicação passou a ser independente de emissoras, dos veículos. Ele faz a sua gravação, o seu trabalho e se lança para o mercado.
GA: O que acha da possível implantação do rádio digital no Brasil?
FC: Acho que com o rádio digital vai ser possível segmentar, o número de canais vai aumentar e conseqüentemente, a democratização da informação e a diversidade de estilos também.
GA: “Os profetas do apocalipse” dizem há muito tempo, desde o surgimento da TV, que o rádio vai acabar. Acredita nisso?
FC: Eu não acho que o rádio vai acabar, eu acho que o rádio vai mudar. Aliás, já está mudando.
GA: Flávio, para encerrar o bate-papo, gostaria que você desse dicas para a galera que pensa em trabalhar em rádio, principalmente o FM...
FC: O rádio é uma delícia, uma cachaça. Quem deseja ingressar na profissão, que não faça do rádio um comércio, faça do rádio um verdadeiro meio de comunicação, levando cultura, conhecimento, informação, boas opiniões, discussões democráticas e interessantes sobre diversos assuntos, enfim... Leve coisas importantes para aqueles que estiverem ouvindo possam crescer, somar conhecimento à vida dessas pessoas.
GA: Flávio, muito obrigado por conceder a entrevista e pelo ótimo papo!
FC: Obrigado, Guilherme! Foi um prazer! Um abraço.
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